Em 31/12/1973 entrou em vigor no Brasil a Lei nº 6.015, mais conhecida como Lei dos Registros Públicos, onde na sua redação original o art.306 disciplinava que o desconto pela primeira aquisição imobiliária incidiria sobre os atos relacionados aquela transação e que tal desconto somente iria incidir nos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional da Habitação.
Devido a grande necessidade de estimular o desenvolvimento habitacional no Brasil alguns anos mais tarde foi criado o Sistema Financeiro de Habitação sendo assim editada a Lei nº 6.941 de 14 de Setembro de 1981, onde o art. 290 da Lei dos Registros Público determinou que os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinqüenta por cento).
Em 5/10/1988 foi promulgada a Constituição Federal atualmente vigente, e o caput do art. 236 determinou que os Serviços Notariais e Registrais seriam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Ainda no art. 236, o §2º especificou que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.
Diante da previsão constitucional, em 29/12/2000 foi editada a Lei Federal nº 10.169, onde o art. 1º disciplinou que os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro. Desta forma os entes Federativos formularam as tabelas de emolumentos que são utilizadas pela Serventias Notariais e Registrais.
Ocorre que quando se trata de imóvel financiado conforme regras do Sistema Financeiro de Habitação- SFH, algumas Serventias Imobiliárias, senão a grande maioria delas, com base nas Notas Explicativas das Tabelas de Emolumentos disponibilizadas pelos Tribunais de Justiça defendem que os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos pela metade, mas exclusivamente sobre a parte financiada.
A situação se agrava quando a garantia real ocorre através de Alienação Fiduciária dentro do âmbito do Sistema Financeiro de Habitação- SFH, pois as Serventias entendem que a Alienação Fiduciária não é passível da concessão do desconto previsto no art. 290 da Lei dos Registros Públicos, haja vista a Alienação Fiduciária ser integrante do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI e a disposição do art. 39, inciso I da Lei nº 9.514/1997 prever que tais regras serem inaplicáveisas disposições do SFH.
Ambas as praticas são inconstitucionais, pois ferem diretamente um dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal – a moradia – além de frustrar a intenção do Legislador em aquecer o mercado imobiliário proporcionando para muitas pessoas condições vantajosas e estimuladoras para adquirir sua primeira moradia.
Analisando a primeiro situação, redução dos emolumentos somente sobre a parte financiada, expomos a lição do Doutrinador Walter Ceneviva, em sua obra Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª Edição, pág. 634:
“....Merece apoio o propósito de favorecer o adquirente de imóvel residencial, pois reduz pela metade o emolumento previsto em lei para o registro”.(grifo nosso).
Os emolumentos nada mais são do que a remuneração que os Notários e Registradores têm direito pelos atos que praticarem em decorrência do atos praticados em razão de suas funções (art. 14 da Lei nº 6.015/73).
Se a própria Lei dos Registros Públicos define que os descontos para a primeira aquisição imobiliária serão aplicados sobre os EMOLUMENTOS (Registro da Compra e Venda e Registro da Garantia Real) o Registrador não poderá aplicar somente o desconto sobre a parte FINANCIADA, sob pena de descumprir a previsão do art. 290 e incorrer na possibilidade de aplicação de uma penalidade por parte da Corregedoria (multa).
Uma segunda situação que é muito freqüente nas Serventia Imobiliárias é o fato dos Registradores não concederem o desconto previsto no art. 290 quando a primeira aquisição mobiliária ocorre juntamente com a alienação fiduciária dentro do Sistema Financeiro da Habitação ou então concedem o desconto somente sobre a parte financiada.
Em sua defesa os Registradores invocam o inciso I do art. 39 da Lei nº 9.514/1997 onde dispõe que :
“Art. 39 - As operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei:
I - não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH
Tal interpretação é totalmente equivocada pois a Alienação Fiduciária não é exclusividade do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, tanto que a própria Lei em seu art. 22, § 1º, expõe a possibilidade da Alienação Fiduciária poder ser contratada por pessoa física ou jurídica que não sejam integrantes do SFI.
Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel
§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:" (grifo nosso).
Na defesa de tal pensamento expomos os ensinamentos de Melhim Namem Chalhub[1]:
“A alienação fiduciária de bens imóveis é uma das garantias instituídas por lei especial, a Lei 9.514/1997, que dispõe, também, sobre as operações do SFI. Essa lei é composta por dois conjuntos de normas, um deles dispondo sobre a estrutura operacional do SFI e outro regulamentando a alienação fiduciária.
Esses conjuntos são enunciados em dois capítulos distintos, independentes, e a independência das normas sobre a garantia fiduciária deflui claramente da leitura do § 1º do art. 22 da Lei 9.514, que "descola" essa garantia da estrutura do SFI, liberando sua aplicação para além dos limites do SFI, nos seguintes termos:
"§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:"
Além de tudo isso, importa atentar que o objeto do art. 290 da LRP são os "atos relacionados com a primeira aquisição" de moradia, e não a espécie de garantia constituída para esse fim. O desconto é assegurado para a "primeira aquisição", que pode ter como garantia a hipoteca, a propriedade fiduciária ou qualquer outra garantia real.
Assim, pouco importando se a garantia do financiamento é a hipoteca ou a propriedade fiduciária, mas se trata de aquisição da primeira moradia, o mutuário faz jus ao desconto de 50% dos emolumentos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, referência jurisprudencial para o Brasil, exarou pareceres através da Coordenadoria de Correições, Organização e Controle das Unidades Extrajudiciaisórgão integrante da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pois esta sedimentou entendimento e orientação aos seus Registradores no sentido de que o desconto previsto no art. 290 independe da espécie de garantia utilizada na primeira aquisição imobiliária e deverá ser aplicado tanto no Registro da Compra e Venda e da Garantia Real, mesmo que sendo Alienação Fiduciária através do SFH, senão vejamos os Pareceres exarados:
Parecer 345/2009-E
Processo CG 2009/105563
Data inclusão: 19/01/2010
(345/2009-E)
Registro de Imóveis – Contrato de aquisição de imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação, com pacto acessório de alienação fiduciária do bem em garantia do pagamento da dívida - Cálculo do valor dos emolumentos - Incidência do desconto previsto no art. 290 da LRP e na Tabela de Custas e Emolumentos anexa à Lei Estadual n. 11.331/2002 sobre o registro da garantia e, também, sobre o registro da compra e venda - Orientação firmada pela Corregedoria Geral da Justiça em precedente invocado pelo próprio Oficial Registrador - Inadmissibilidade da adoção de critério diverso em prejuízo do usuário do serviço - Restituição do décuplo do valor cobrado a maior (art. 32, § 2º, da Lei Estadual n. 11.331/2002) - Decisão do Juízo Corregedor Permanente acertada - Recurso não provido. (grifo nosso).
Parecer 346/2009-E –
Processo CG 2009/71789
Data inclusão: 19/01/2010
(346/2009-E)
EMOLUMENTOS – Registro de Imóveis – Primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação– Contrato, apresentado para qualificação, que permite vislumbrá-la – Cabimento de redução de 50%, exclusivamente sobre o financiamento, nos emolumentos para registro, tanto da compra e venda, quanto da alienação fiduciária em garantia– Não observância pelo Oficial – Cobrança indevida dos valores integrais – Violação da regra do art. 290 da Lei nº 6.015/73, combinado com a nota explicativa nº I.8.1 da Tabela II da Lei Estadual nº 11.331/02 – Restituição, em décuplo, do montante recebido – Imposição, também, de multa – Aplicação do artigo 32, I, com respectivos parágrafos, do último diploma legal referido – Recurso provido, para tanto. (grifo nosso).
Observe-se que, como bem decidido pela Corregedoria do Estado de São Paulo, a redução de 50% incide sobre todos os atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária financiada pelo SFH, incluindo, para o que aqui interessa mais de perto, tanto o registro da compra e venda do imóvel quanto o registro da alienação fiduciária do bem em garantia do pagamento do débito contraído, não havendo amparo jurídico ou legal para a discriminação realizada por alguns Registradores, que restringem a redução apenas aos emolumentos devidos por força do registro da garantia (no caso, da alienação fiduciária).
Assim do que adiantaria o Poder Público incentivar a aquisição de imóveis através de fomentos, subsídios, e outros benefícios aos adquirente de imóveis se as Serventias Imobiliárias não aplicarem a previsão legal do art. 290 da Lei dos Registros Públicos?
[1] - http://ademi.webtexto.com.br/article.php3?id_article=34568